Trabalho de higienização e conservação de obras raras garante preservação da cultura popular nordestina

10 de outubro de 2017

Imagine uma publicação de folhas delicadas, geralmente confeccionada de maneira artesanal, em papel-jornal, com desenhos e xilogravuras raros e conteúdos literários que representam as pelejas, memórias, cantorias, graças e expressividades do Nordeste brasileiro. Some-se a isso impressões em tipografia com mais de 100 anos, históricas e com cópias quase inexistentes. Estas são algumas das características da coleção de cordéis da Biblioteca Átila Almeida, setor de preservação e disponibilização de obras raras da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Atualmente, a coleção conta com 18.265 exemplares de cordéis, o que a posiciona como uma das maiores do Brasil, quiçá da América Latina. Conforme explica Estela Santos, coordenadora da Biblioteca de Obras Raras, a coleção de cordéis é formada por vários pequenos acervos. O primeiro e mais amplo dispõe de mais de 9 mil cordéis, seleção que foi iniciada pelo intelectual paraibano Horácio de Almeida e posteriormente herdada por seu filho, Átila Almeida, cujo nome batiza a coleção. O segundo acervo reúne coleções de Gilmar de Carvalho, Marcelo Soares, Medeiros Braga e Manoel Monteiro, que agregaram ainda mais valor ao conjunto inicial.

Para que esta relíquia permaneça preservada e posta à disposição dos pesquisadores e interessados no tema, todo o material contou com um minucioso trabalho da equipe da Biblioteca Átila Almeida, que passou mais de três anos dedicada ao processo de higienização, organização, catalogação e acondicionamento do material, de maneira a facilitar a localização de cada cordel e a conservação por muito mais tempo.

Como há exemplares muito antigos – alguns datados de 1907 – os folhetos exigiram cuidados especiais com a limpeza e acomodação especial. Todos foram embalados um a um, em papel “acid free” (um tipo que mantém inalterada a resistência original dos documentos) e guardados em caixas feitas sob medida pelos próprios servidores. Além disso, cuidados extras são constantemente tomados. A biblioteca inteira é climatizada entre 18 e 22 graus celsius e o combate à umidade é reforçado com desumidificadores, que funcionam continuamente para evitar que não haja proliferação de fungos no local.

“Estamos lidando com um material frágil, com papel de baixa qualidade e que se deteriora fácil. É preciso tomar todos esses cuidados para que esses cordéis durem muito tempo e possam ser vistos por mais pessoas no futuro”, destaca Estela, informando também que os usuários não podem xerografar os folhetos, apenas registrar em fotografias sem flash, e que o manuseio deve ser feito com a utilização de luvas. “A informação merece ser perpetuada e esse exemplo de cultura popular poderá ser lido por outras pessoas se tomarmos certas precauções”, acrescentou.

Ampla procura

Os interessados nas pesquisas pelos folhetins populares são muitos: desde pesquisadores curiosos, passando por alunos de graduação, mestrado ou doutorado, que precisam de subsídios para escrever seus trabalhos, dissertações e teses, até parentes de autores cordelistas interessados em recuperar ou ter contato com obras de seus familiares, quando não têm em casa um arquivo que contenha todos os números já escritos.

“Ano passado recebemos o filho de um cordelista que conseguiu identificar em nosso acervo um único cordel que faltava na coleção de seu pai e que ele não encontrava mais em lugar nenhum. Quando veio, trouxe toda a família junto – tios, irmãos, esposa, filhos. Isso mostra que o acervo não se restringe apenas aos estudantes e pesquisadores, mas também se configura como algo de afeto, que envolve história familiar, interesse próprio, orgulho do que foi produzido e a alegria de reencontrar algo que estava perdido”, constata Estela.

É possível perceber que algumas características tornam certos exemplares ainda mais raros e especiais. Há anotações pessoais em alguns cordéis, como rabiscos, lembretes, marcações em “X” ou registros de “não presta” ou “está errado”. Estes sinais pessoais – nos quais é possível identificar as letras do próprio Átila Almeida ou de seu amigo José Alves Sobrinho – foram conferidos a alguns exemplares, tornando-os por este mesmo motivo, excepcionais.

Concluída toda a organização do acervo, o próximo passo a ser executado pelos bibliotecários será a digitalização de cada cordel. O processo final resultará em um sistema executado pela Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação (CTIC) da UEPB e disponibilizado por meio da internet, para que através dele os usuários possam ter acesso aos exemplares digitalizados sem precisarem se locomover à biblioteca em Campina Grande.

“Obviamente o acesso pessoal ainda será permitido, mas há muita gente de fora, inclusive de outros países, interessada em consultar esse material. E nós vamos ampliar essa possibilidade de consulta a todos, por meio da tecnologia”, diz Estela Santos, alertando não apenas para a quantidade, como também para a riqueza de material, qualidade e organização do serviço oferecido. Seja cultura popular ou globalizada, o importante é que ela seja disseminada e que qualquer pessoa tenha acesso ao conhecimento.

Mais informações sobre a Biblioteca Átila Almeida podem ser obtidas no site do setor. O catálogo completo de cordéis pode ser acessado através clicando AQUI . Já as visitas podem ser agendadas através do telefone (83) 3315-3424 ou pelo e-mail atilaalmeida.bc@uepb.edu.br. A Biblioteca Átila Almeida está localizada no 1º andar do Prédio da Administração Central da UEPB, Câmpus de Bodocongó, em Campina Grande.

 

Texto e fotos: Giuliana Rodrigues